Porco alentejano tem “papel muito importante” em territórios de sequeiro

Notícia publicada em parceria com o Alentejo Sul Informação

A ACPA (Associação de Criadores do Porco Alentejano) foi criada em 1990 , sendo Nuno Faustino também um dos fundadores da Cooperativa de Produtores de Porco Alentejano (PACOOP), criada em 2017 pela ACPA, com o apoio do Município.

Dedicado à valorização e promoção da exploração do porco alentejano de montanheira (alimentado a bolota) em sistema de regime extensivo (em liberdade no campo), há quatro décadas que Nuno Faustino, engenheiro e produtor, não desiste da raça do porco alentejano, que esteve em risco de extinção nos anos 80.

Comercialmente denominada como porco preto, esta raça suína autóctone, apesar de muito consumida em Espanha, tem diminuído, contudo, o seu efetivo no Alentejo.

“O porco alentejano é uma raça de crescimento lento, ao contrário de raças exóticas, como o porco branco – que foram geneticamente melhoradas a partir de outras raças e onde determinadas características lhe foram selecionadas: têm um crescimento muito rápido, conseguindo atingir uma carcaça com 90 quilos em cinco ou seis meses, enquanto um porco alentejano precisa de quase dois anos de bolota. E depois, obviamente, para curar um presunto, são necessários também mais dois anos, há um investimento de quatro anos. Aqui está a diferença para fazer um porco com qualidade”, esclarece Nuno Faustino.

Esta diferença torna os transformados desta carne muito valorizados.

“Há um tempo de produção elevado, logo um grande investimento do produtor num porco. Forçosamente, isto é um animal caro. Há a montanheira e todo o ciclo produtivo, e isto é praticamente tudo feito no campo: desde a fase da cria – que é quanto as reprodutoras andam no campo –, ao acabamento, onde depois são engordados também no campo”, explica.

Da cria ao acabamento, o segredo está na Montanheira

Tudo começa entre março e maio, quando as azinheiras e o sobreiro começam a ganhar flor, mas é apenas após as primeiras chuvas do outono que, da flor, nasce o fruto e as primeiras bolotas começam a maturar. São elas o alimento predileto do porco.

De início, são de uma cor verde, mas rapidamente amadurecem e ficam castanhas-avermelhadas. É quando as bolotas começam a cair, entre outubro e março, que começa a Montanheira.

O seu tamanho e nome varia consoante os meses da frutificação: bolotas-bastão, entre setembro e outubro, bolotas-lande, entre outubro e novembro, e bolotas-landisco, entre dezembro e fevereiro.

Tendo uma alimentação constituída à base de bolota, ervas e raízes, a Montanheira é a fase mais importante do ciclo de engorda do porco alentejano, uma vez que é nela que os porcos andam em liberdade no montado até duplicarem o seu peso.

É este o segredo que faz desta carne a principal matéria-prima da indústria da transformação do jámon ibérico de bolota em Espanha, um presunto produzido a partir do porco alentejano e do porco ibérico – irmão do alentejano –, que pode custar várias centenas de euros.

“Quando acabado o montado, o porco tem, de facto, uma qualidade excelente, porque há aqui uma conjugação de fatores que são a sua genética própria, a capacidade de infiltrar gordura no músculo e a sua alimentação no campo”, conta Nuno Faustino.

Quanto maior for a capacidade de infiltração de gordura, mais saborosa e tenra a carne será. Em inglês chama-se a este tipo de carne “marbled meat” (carnes marmoreadas), e só se encontra em carnes vermelhas.

“Esta gordura é rica em ácidos monoinsaturados, similares ao ácido oleico, que é uma gordura saudável. Enquanto consumidor, é o mesmo que se estiver a comer azeite”, explica Nuno, acrescentando que, “esta conjugação de fatores depois permite produzir frescos, mas também transformados, de elevadíssima qualidade, sejam o presunto e paleta de Santana da Serra IGP (de Indicação Geográfica Protegida), o presunto do Alentejo DOP (de Denominação de Origem Protegida), ou o presunto Barrancos DOP”.

90 a 95% do porco alentejano é exportado para Espanha

Para a ACPA e para a PACOOP, o principal destino para a transformação da carne de porco alentejano é Espanha. Esta é uma realidade que atravessa todo o setor, que exporta, a nível nacional, entre 90 a 95% para o país vizinho. Isto deve-se, em parte, à dimensão do mercado português e à falta de capacidade de a indústria nacional escoar os produtos.

“Mandamos para Espanha porque as indústrias portuguesas são, comparativamente às espanholas, muito mais pequenas, com uma dimensão de 1/10, ou mesmo até de 1/50. Além disso, Espanha está há mais tempo no mercado e já conseguiu afirmar muito as suas marcas, então existe a ideia, até do consumidor português, que o porco espanhol é melhor, quando, muitas vezes, estão a comer presunto ibérico cuja origem foi o porco alentejano”, explica o engenheiro, que reflete, ainda, que há uma série de “know-how” que não existe em Portugal sobre a tradição do consumo de transformados do porco alentejano.

“A Espanha tem uma tradição de vender presuntos inteiros às peças. Qualquer restaurante, qualquer café sabe fatiar. Cá em Portugal, não sabem. Se não sabem fatiar, depois não conseguem tirar rentabilidade da peça. Também não existe uma tradição no consumo deste presunto, que é caro, o que torna o mercado português difícil, logo as indústrias não querem investir: fazem apenas pequenas produções até mais no sentido de ter um produto premium, porque o grande negócio deles é vender porco preto, porco cruzado e presuntos de porco cruzado”.

O porco preto resulta do cruzamento entre o porco alentejano e o porco Duroc, de raça exótica, o que lhe confere, geneticamente, uma maior velocidade de crescimento, levando, ao contrário do alentejano, entre 10 e 12 meses a produzir, permitindo-lhe manter, ao mesmo tempo, algumas das características que tornam a carne do porco alentejano de bolota excecional, na sua genética.

Setor reivindica maior fiscalização

Devido a esta excecionalidade do porco preto, em detrimento do branco – por nela ter 50% da genética do porco alentejano –, esta carne tem tido um papel importante no setor da restauração portuguesa. É uma carne mais barata que a de porco alimentado à base de bolota, mais rápida a produzir  e de melhor qualidade que a de porco exótico, devido à sua capacidade em infiltrar gordura no músculo, o que lhe atribui um maior sabor.

“Não há quase nenhum restaurante do país que não venda porco preto, porque as pessoas preferem claramente o porco preto ao alentejano de bolota. Se, por vezes, comem bom porco preto, isso é outra questão. Não sei se comem. Porquê? Porque, ainda que exista legislação nacional que diga o que é porco preto, não existe fiscalização em quase nenhum ponto da cadeia para saber se a lei é cumprida”, diz Nuno Faustino, que, em 2014, ajudou a pressionar, junto com a ACPA, a Secretaria de Estado da Alimentação e Veterinária para atualizar a legislação ao nível da utilização da referência «porco preto» em todas as fases da cadeia alimentar, com especial enfoque na comercialização.

Criado em 2014, o Decreto-Lei n.º 95/2014, de 24 de junho, aprovou uma norma de qualidade para a carne e produtos de «porco preto» utilizados no mercado nacional de forma indiscriminada, seja de produtos à base de carne fresca ou de preparados de carne que não correspondam às características específicas daquela raça.

Do mesmo modo, no setor da restauração, o Decreto-Lei visa também fiscalizar a utilização de forma abusiva da referência «porco preto» na rotulagem dos géneros alimentícios, evitando que os consumidores sejam induzidos em erro.

“No Decreto-Lei 95/2014, está lá perfeitamente discriminado o que é que pode ser ou não porco preto, e está lá quem é a entidade a quem compete esta fiscalização, que é a ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica). Tanto quanto eu julgo saber, nunca ouvi falar de fiscalizações da ASAE em restaurantes, quanto a este aspeto. No nosso entender, do ponto de vista da produção, era um bom instrumento para tentar regular o mercado e impedir que o consumidor fosse enganado, mas infelizmente não teve grande consequência, porque há pouca ou nenhuma fiscalização sobre a carne que anda aí na restauração e nas cadeias de supermercados e que é chamada de porco preto”, conclui.

Um passado e presente em dificuldade

Se, na década de 80, o porco alentejano se encontrava em dificuldade – devido, em primeiro lugar, à Peste Suína Africana, mas também devido à migração das populações do interior para o litoral, à crise de mão de obra especializada, à mudança nos hábitos alimentares, ou à destruição de vastas áreas de Montado, com vista à intensificação de culturas de regadio –, atualmente o porco alentejano ainda é uma das mais ameaçadas raças autóctones, em perigo de extinção. Na ACPA e na PACOOP, existem cerca de 5.000 a 6.000 cabeças.

Nos últimos tempos, recorda o presidente da associação de produtores, “tivemos a crise do Covid-19 que veio trazer dificuldades, com o fecho da restauração. A época do pré-covid estava razoavelmente boa, porque o porco alentejano de bolota é muito consumido na restauração em Espanha, nas tapas, mas a pandemia veio acabar com o turismo, que é essencial para o mercado espanhol e português. Isto fez com que os industriais não vendessem as peças que tinham em casa. Mais oferta e menos procura forçou o preço a baixar”, explicou.

Depois, com a “alta do preço dos cereais, por causa da guerra na Ucrânia, o custo do porco na fase da cria e da recria, que é feita com rações e cereais, ficou mais caro. Houve muita exploração a fechar e muitas a reduzir efetivos”, acrescenta.

Associado a isto, observou-se, no setor, um aumento da carga burocrática ao nível da produção. “Em Espanha, temos que obedecer à “Certificação da Norma”, um conjunto de verificações que fiscalizam se os porcos estão bem, se comem bolota, quando é que entram no montado, se são ou não de raça pura, se a área do montado dá para aquele número de porcos, etc. E isto tudo é o produtor que paga. Agora, recentemente, muitas indústrias também começaram a exigir mais um custo, o do bem-estar animal. Mais uma certificação, mais adaptações para cumprir as regras de bem-estar animal, mais um custo que o produtor paga”, lamenta.

Outro fator que pode explicar uma redução do efetivo da raça de porco alentejano, que atualmente ronda as 25.000 a 30.000 cabeças a nível nacional, é o envelhecimento da população ativa agrícola, nomeadamente a do agricultor de cultura extensiva.

“Há menos e menos criadores, mas também existem aqui outros problemas associados, como a mortalidade e declínio do montado – sobretudo por causa da seca –, e as políticas agrícolas. O sequeiro é pouco apoiado, e tudo é muito direcionado para o regadio, para o olival, para as culturas intensivas… Isso é que é agora a prioridade dos governos e dos ministros. Como eles têm uns 15% que brilham muito, e uns 75% que brilham pouco, concentram-se só naquilo que brilha e esquecem-se que a maioria do território é de sequeiro, e que as raças autóctones assumem aqui um papel muito importante, neste caso, o porco alentejano”.

Questionado sobre se o setor é atrativo para jovens aspirantes a agricultores, Nuno Faustino responde que “a instabilidade do próprio processo agrícola” é o que torna o setor “pouco atrativo”.

“O sequeiro está dependente de fatores que não são controláveis, nomeadamente fatores climáticos. Investimos, mas não sabemos se vamos colher. Temos as vacas, os porcos, o montado, mas, se não chover, pode não haver produção. Por outro lado, temos o mercado, ou seja, nós não controlamos os preços do mercado, nem daquilo que compramos, nem daquilo que vendemos. Tudo isto, obviamente, são fatores que contribuem para que o sequeiro e a cultura extensiva do sequeiro não consigam ser muito atrativas para os jovens. Entre os agricultores há muito desânimo”, conclui.

“Quem não tiver meios próprios com alguma substância, o banco não empresta o dinheiro”, o que reflete a “inviabilidade económica deste tipo de agricultura”.

Ainda assim, a esperança é maior que o desânimo, para quem acredita na raça e é no coletivo que se ganha a força. “É essencial que as pessoas se juntem para chegar a consensos, para termos mais força, nomeadamente ao nível de lobbying junto do poder político, para tentar alertá-lo para os nossos problemas. Enquanto não se conseguir políticas diferenciadas para problemas específicos e para zonas diferenciadas, não conseguimos combater as assimetrias: se formos falar de seca, por exemplo, a seca é totalmente diferente em Arouca e aqui em Ourique”, defende Nuno Faustino.

As dificuldades são tais, que este produtor e dirigente associativo diz ter sérias dúvidas de que houvesse neste momento alguma atividade de produção de porco alentejano no concelho e nas regiões à volta, “se não fosse pela presença da associação em Ourique”.

A seca é um dos fatores-chave para o declínio do montado e da bolota, alimento-base do porco alentejano, e está a ter um impacto “muito negativo” no setor, cujo efetivo nacional teve uma redução de cerca de 30% a 50% nos últimos anos, e que conta, atualmente, com menos de 5.000 animais reprodutores.

“São necessários mais estímulos à produção, porque é uma raça interessantíssima e tem potencial a nível nacional. Portugal tem cerca de um milhão de hectares de montado. Se pensarmos que são necessários três hectares para produzir um porco, com um milhão de hectares daria para produzir uns 300 mil porcos. Se calhar, estamos a produzir, atualmente, 15 mil (1,5%)”, termina.